domingo, 27 de junho de 2010

"Olhe para trás com raiva", de John Osborne por Ulysses Cruz

 "Olhe para trás com raiva", de John Osborne, dirigido por Ulysses Cruz e adaptação de texto por Marcos Daud.

 Um drama intenso e bem elaborado, é isso que Ulysses Cruz nos oferece de bandeja através dessa excelente adaptação de Look Back In Anger. Temos uma peça realista e densa do início ao fim, onde os conflitos principais dos personagens não batem de frente com antagonistas como de praxe nos milhares de dramas espalhados pela cena teatral. Os conflitos estabelecidos na peça são de modo geral contra a época, a Inglaterra pós-guerra que encerrava qualquer plano de jovens dotados de talento e ambição de realizar-se.
 Conhecemos o protagonista Jimmy Porter (Sérgio Abreu), um cara pra lá de revoltado que desenha muito bem esse sentimento de impotência contra o sistema, que parece lhe acorrentar desde pequeno e lhe mostrar as piores dores do mundo logo cedo. Jimmy tem consigo sua esposa Alisson (Karen Coelho), seu amigo Cliff (Thiago Mendonça) e a amiga de Alisson Helena (Maria Manoella), outros personagens - "tipos" - que nos retratam essa mesma impotência mas de outro ângulo.
 Sérgio Abreu merece os parabéns pelo excelente Jimmy, o ator trabalha a revolta e impotência do  mesmo sem exagerar, ele nos joga a sua realidade na época, discutindo consigo como se discutisse com a platéia seus questionamentos sobre o futuro do homem e seus sonhos, e o próprio decorrer das cenas o corta e nos faz perceber que nada que fosse feito mudaria, que essa é a realidade dele. Thiago Mendonça também trabalha bem, seu Cliff já aceita mais a realidade, sabe da sua ignorância e de certo modo parece gostar um pouco da vida, como ele mesmo diz, é um "amortecedor"  das brigas que acontecem entre Jimmy e Alisson e pouco mais anseia do que isso, só perto do fim da peça que vemos Cliff indo embora e tentando viver sozinho.
 No decorrer da peça vemos a história como se fossemos parte da mesma, em meio a cenas na platéia e questionamentos feitos por Jimmy que nos tiram da zona de conforto e nos fazem pensar muito, nos vemos também impossibilitados de agir, vemos que a peça avança e que os personagens parecem não se libertar daquela prisão que os rodeia, tanto que a peça não é uma espécie de folhetim que leva o bem contra o mal e o bem acaba vencendo, no fim as coisas estão no mesmo ponto do começo. Acontecimentos relevantes se sucedem ao decorrer da mesma mas no fim a peça parece não ter saído do lugar, os personagens continuam com seus mesmos destinos cruéis do início.
 Com um cenário impecável e uma produção pra lá de competente, "Olhe para trás com raiva" vale muito a pena, nos faz entender a história e olhar pra trás com muita raiva, fato! Mais um trabalho impecável de Ulysses Cruz e Marcos Daud, desde os meus tempos de Globe acompanho e quanto mais vejo mais anseio por ver, valeu o fim de semana, com certeza!

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Paralelo sobre "O tempo e a personificação do ator em relação as outras profissões"

 Esse é um assunto que há tempos vem pulsando para sair da minha cabeça e vir para o texto, então hoje como tive tempo, coisa que cada vez está mais rara - por isso a falta de atualizações frequentes do blog - resolvi escrevê-lo.

 Primeiramente, esse texto tem dedicatória, dedico esse texto aos pais e as pessoas que zelam pela carreira dos que saem de suas casas em busca da profissão ator/atriz em busca do sucesso na mesma. Mais a frente vocês entenderão o porquê da dedicatória, de momento só confiem e leiam sem preconceitos...

 Temos vivido uma síndrome na sociedade atual, que se baseia segundo Augusto Cury na SPA (Síndrome do Pensamento Acelerado), ou como eu trato, crise de ansiedade. No mundo de hoje as pessoas estão sendo acomodadas a cobrar um imediatismo em tudo, nunca tivemos tantas opções de entretenimento e tratamentos alternativos para o ser humano afim de lhe dar o tão precioso "descanso, prazer". 

 E o que tem a ver o ator com isso?
 Tem a ver o processo, desde sua saída de sua cidade natal até o começo de seu trabalho e aprimoramento na profissão.
 Tirando nossos futuros-atores-modelo-fracasso-gambiarra-series, os reais atores sabem que o aprofundamento da profissão é algo muito demorado. Quando começamos a estudar o ser ator, estudar os métodos, acho eu que nos deparamos com o maior problema do ser humano, sua auto reflexão sem o intermédio da vaidade. Me atrevo a dizer que a profissão ator é a mais complexa de todas, não menosprezo as demais, mas gostaria que o leitor compreendesse o seguinte:

 Se decupássemos o processo MÍNIMO para se tornar um ator de pequena qualidade, teríamos aí uma média de 5 anos. Destes 5 anos, teríamos os 3 primeiros para:
* Uma primeira abordagem ao método; 
* Estudo das diversas abordagens propostas pelos mais diversos diretores;
* Leitura da dramaturgia considerada essencial ao ator (uma pequena parte dela claro)
* Um auto conhecimento das suas limitações;
* Um pequeno avanço dramático em cena;
* Uma concepção muito rasa do que é "estar em cena;
 Isso como eu disse, para se ter uma base mínima para estudo, daí em seguida, teríamos mais 2 anos que chamo de "Processo de Desconstrução", na minha opinião a melhor parte do processo, vulgarmente eu chamaria da hora do "Pede pra sair!".

 Dentro dos 2 anos do processo de descontrução do ator, o mesmo entra na sua fase de instropecção mais profunda, é aí que o mesmo vai começar a lapidar seu trabalho através do repertório que adquiriu através dos 3 anos de estudos e experimentos. 

 Nesse período o ator vai testar sua capacidade psicológica, sim, capacidade, pois o processo de descontrução é rígido, é onde a garota bonitinha que quer ser atriz da globo vai perceber que seu peitão e seu bundão não vão lhe dar a dramaticidade necessária para a personagem russa do início do século, por isso disse que é o período do "pede pra sair!". Quem realmente não tem interesse na arte, na masterização do ofício ator, vai sair logo no início, vai SE considerar pronto para o mercado, SE considerar competente e no máximo vai fazer uma peça amadora lá no espaço que acabaram de abrir embaixo da lanchonete do terminal de ônibus do taboão da serra ou uma pontinha na globo antes de voltar para sua terrinha lá nos confins do Judas. O mercado pode até dar abertura, mas o público é rígido, a crítica é severa, essas pessoas não duram.

 Já as que continuaram estão para passar pela parte onde perderão todas suas bases, se pegarem um diretor que tem métodos muito rígidos é capaz até de instigar a pessoa a uma depressão, pois o que vai ser cobrado é muito mais difícil do que uma simples leitura inicial, é onde a pessoa vai descobrir o arquétipo do personagem. Agora, se a pessoa tem estrutura para ir até o arquétipo sem enlouquecer, aí é de cada um.

Cheguei ao momento de falar porquê dedico esse texto aos pais e responsáveis pelos nossos aventureiros-futuros-artistas. Esse período como eu já disse é mínimo, um período considerável talvez seria de 7 a 10 anos para se tornar um bom ator, um excelente ator. Então lhes peço meus caros: "Por que somos cobrados a sermos bons atores, ricos, famosos em pouco mais de 2 anos?" Digo porque cansei de ver não só da minha parte mas também de colegas cobranças de familiares e responsáveis, mas que acho um pouco infundadas.

 Infudadas? Mas em que sentido? 
 No sentido real da vida, um estudante de medicina pode estudar 6,7 anos enquanto que sua família acredita que tudo está ok e somente acompanha e o apóia no processo. Qualquer outro universitário tem um prazo mínimo de 5 anos antes de uma cobrança real.

 Isso me entristece muito, pois vejo que a arte não é tão valorizada quanto deveria no Brasil, vejo e ouço comentários que desprezam o ofício como se um ator fosse um vagabundo, um prostituto sem ambição na vida, quando o mesmo deveria ser valorizado e reconhecido pelo seu trabalho. Vejo que o que importa nesse "país do futebol" é o canudo, é a formação resumida a um pedaço de papel, mesmo que os formandos não passem de meras máquinas de repetição de fórmulas e não seres pensantes, o que importa é o que se e não o que esta no interior.

 Graças a Deus o autor que aqui vos fala não tem esse problema - já ultrapassou tal barreira - mas gostaria de registrar para que os que ainda enfrentam esse desafio possam levar adiante esse texto e tentar mesmo que em vão conscientizar seus "superiores" de que:

"Arte também é vida, viver da arte é tão nobre quando morrer pelo que se acredita, então que se tivermos que morrer disso, que nos dêem nosso tempo para escrever nossa história com nossa própria assinatura..."
Vinicius Olivo